segunda-feira, 28 de julho de 2008

gosto

gosto de coisas velhas
gosto de coisas novas
gosto de vermelho
preto
branco.
gosto de cheiro de vó
gosto de coisas de vó.
gosto de me desfazer de coisas inúteis
gosto de juntar coisas que não me são úteis.
mas que eu gosto.
gosto de andar só pelas ruas
gosto de descobrir novidades.
gosto de respirar.

tina muller

sexta-feira, 18 de julho de 2008

eles dois (2)

agora é ela que quer ser perfeita.
e ele, mais uma vez, diz que não gosta de perfeições.
nem de pessoas perfeitas, nem de ser perfeito.
ele gosta de coisas imperfeitas,
desde que sejam simples (e imperfeitas).
pra ele, não precisa ser perfeito.
precisa ser bonito.
precisa ser real.

tina muller

Resíduo

"De tudo fica um pouco.
Do meu medo.
Do teu asco.
Dos gritos gagos.
Da rosa
Ficou um pouco.
Fica um pouco de luz
captada no chapéu.
(...)
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
De duas folhas de grama,
Do maço - vazio - de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
No queixo de tua filha.
Do teu áspero silêncio
um pouco ficou,
um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
(...)
Se de tudo fica um pouco,
Mas porque não ficaria
um pouco de mim? No trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
Na consoante?
No poço?
(...)
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver...de aspirina.
De tudo ficou um pouco.
E de tudo fica um pouco.
Oh, abre os vidros de loção,
E abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob os teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato."

(Carlos Drummond de Andrade)